Marco de uma comunidade que ainda luta pelos seus direitos e sofre há quase cinco anos as consequências da maior tragédia socioambiental do país, um monumento de fé ganha proteção permanente. Localizada em ponto elevado e não afetada pelo rompimento da Barragem do Fundão, em 5 de novembro de 2015, a Capela Nossa Senhora das Mercês (século 18), no subdistrito de Bento Rodrigues, em Mariana, na Região Central de Minas, foi tombada em caráter definitivo pelo Conselho Estadual do Patrimônio Cultural ( Conep). “É uma decisão que transcende o ato, pois representa não só o reconhecimento de um patrimônio importante como o respeito pelas pessoas que viveram ali e por tudo o que aconteceu a elas”, afirma o secretário de Estado de Cultura e Turismo, também presidente do Conep, arquiteto Leônidas Oliveira.
Oliveira destacou que o tombamento inclui a mata no entorno do templo, garantindo proteção para o bem e impedindo futuras ocupações. “Felizmente, a capela fica numa colina e não foi alvo da destruição”, destaca o secretário, que comandou a pauta do Conep, pela primeira vez realizada no sistema virtual. Para o tombamento – desde outubro de 2018 a proteção vigorava em caráter provisório, embora com garantias de preservação –, a edificação foi obejto de um dossiê detalhado, a cargo do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG).
A medida significa uma vitória para os antigos moradores de Bento Rodrigues, que podem celebrar um avanço na preservação da memória do povoado mais atingido pela tragédia da Samarco. A capela ficou a salvo da lama despejada pelo colapso da barragem da mineradora na catástrofe que deixou 19 mortos e causou destruição ao longo de toda a Bacia do Rio Doce. Na ocasião, foi totalmente destruído o templo dedicado ao padroeiro da comunidade, São Bento.
Na expectativa de se mudar com a família em fevereiro de 2021 para o reassentamento em construção para a comunidade, apelidado de Novo Bento, o líder comunitário José do Nascimento de Jesus, mais conhecido como Zezinho do Bento, exalta o tombamento: “Nota dez, nota mil”. Para ele, é a única forma de “ninguém mexer na capela, de conservar, e, se houver alguma intervenção, de ser sempre para melhorar, nunca para piorar o que já está ruim”.
O secretário de Cultura, Patrimônio Histórico e Turismo de Mariana, Efraim Leopoldo Rocha, explicou que a área do núcleo histórico atingido pela lama aguarda desde 2016 a definição de tombamento, e ressalta que a decisão do Conep “fortalece a esperança da comunidade de Bento Rodrigues”. Fechada à visitação, a capela, acrescenta o secretário, tem vigilância e se encontra bem preservada.
De acordo com pesquisa do Iepha, a Capela Nossa Senhora das Mercês não tem datação precisa, mas a construção é estimada entre 1750 e 1815. Provavelmente, em seguida à criação da Irmandade das Mercês, no povoado, no âmbito da então ermida principal do local, a antiga Capela de São Bento.
Relata a pesquisa: “A arquitetura segue um tipo tradicional de capelas das Minas setecentistas e oitocentistas, em composição singela com três volumes descendentes da nave, capela-mor e sacristia, fachada com porta central encimada por duas janelas e óculo, estrutura de madeira sobre baldrames de pedra, vedações de adobes, coberturas em telhas cerâmicas”. Na avaliação feita pelo instituto, “internamente, os elementos de talha são de boa qualidade e possuem linguagem comum e harmoniosa entre si. Há um cemitério anexo, elemento fortemente ligado às associações religiosas mercedárias.”
O tombamento da Capela Nossa Senhora das Mercês foi inscrito no Livro do Tombo II – de Belas Artes, e no Livro do Tombo III – Histórico, das Obras de Arte Históricas e dos Documentos Paleográficos ou Bibliográficos.